“É
o ato que consiste em oferecer à Divina Majestade, em proveito das
almas do purgatório, todas as obras satisfatórias que fizermos durante a
vida e todos os sufrágios que forem aplicados pela nossa alma depois da
nossa morte”.
Tal é a
definição autêntica deste ato aprovado oficialmente pela Igreja e
indulgenciado. Chama-se heróico, porque realmente exige uma abnegação de
todos os tesouros que possamos lucrar com nossas boas obras e contém
uma renúncia de todos os sufrágios que oferecerem por nossa alma depois
da nossa morte, em favor das almas do purgatório. Este ato há de ser
feito, para ser válido, em perpétuo. É irrevogável na intenção de quem o
faz. Não obriga sob pena de pecado. Se alguém, a quem faltou
generosidade ou teve receio de se privar de sufrágios depois da morte,
quis de novo adquirir para si as suas obras satisfatórias, renunciou ao
voto heróico, não comete pecado nem mortal nem venial.
Pelo
ato heróico não renunciamos o mérito de nossas boas obras, isto é, o
que nos dá nesta vida um acréscimo da graça e a glória no paraíso. Este
merecimento é nosso e não o podemos perder nem dá-lo aos outros. O ato
heróico é uma obra muito meritória, e este mérito de uma obra tão bela e
heroica não o podemos perder. Só o mérito do ato heróico quanto não
vale para nossa alma! Este mérito não o perdemos. Depois desta obra
satisfatória, tudo o mais que fizermos será das almas do purgatório.
Desde que fazemos o ato heróico, todas as indulgências que lucramos são
das almas. Tudo que de bom possamos fazer e ter mérito e lucrar alguma
coisa será do purgatório, direito e propriedade das almas. É uma
renúncia total. Só a indulgência plenária da hora da morte não pode ser
oferecida para as almas e será nossa, porque não é aplicável aos
defuntos.
O ato heróico
não impede de rezar nas próprias intenções e pelos mortos. Quando
fazemos um ato de penitência e de oração, por exemplo, recitando um
terço de joelhos, há neste ato, para falar uma linguagem teológica,
três frutos diferentes: um fruto meritório que não o podemos perder é o
mérito pessoal de quem o pratica — o valor satisfatório do ato que é a
penitência, o sacrifício feito, e este é para as almas é do ato heróico —
e finalmente, uma força impetratória que é da oração como oração. A
oração é uma força e Deus prometeu ouvi-la. O ato heróico não nos impede
utilizar a força impetratória da oração.
Quem
faz o ato heróico é como um religioso que fez o voto de pobreza: tudo o
que ganha não lhe pertence. A diferença é que o voto de pobreza obriga
em consciência e o ato não. O abandono que a alma generosa faz em favor
das almas do purgatório é feito, em geral, por todas e nunca em favor
de uma ou outra alma. O ato heróico não impede que se ore por esta ou
aquela alma em particular e se ofereça a Nosso Senhor muito sufrágio
pelos nossos mortos queridos.
Não pode tudo isto ser feito na oferenda geral que fizermos a Deus?
Origem do ato heróico
O
ato heróico em si, não é uma devoção nova na Igreja, como pretendem
alguns. Em séculos passados, muitos homens de grande santidade e
grandes almas generosas ofereceram a Deus seus tesouros de obras
satisfatórias em favor das pobres almas do purgatório. Santa Gertrudes,
Santa Catarina de Sena, Santa Liduina e muitos outros santos tiveram
esta generosidade. Santa Teresa fez este ato em favor de um mestre
espiritual, o Provincial dos Carmelitas, falecido, e ela libertou-o do
purgatório com suas orações. Todavia, consideramos como fundador e
apóstolo do ato heróico o Pe. Gaspar Olinden, clérigo regular dos
Teatinos. Este sacerdote piedoso tinha uma devoção muito grande pelo
Purgatório e sua grande preocupação e todo seu zelo ardente o empregava
em favor das pobres almas. Lembrou-se deste ato heróico, desta oferenda
generosa a Deus em favor do purgatório e apresentou-o ao Santo Padre
Bento XIII, que não só o aprovou, mas o enriqueceu de indulgências e
privilégios. Depois, todos os Pontífices confirmaram a aprovação e
estimularam e abençoaram tão belo ato.
Bento
XIII, não contente de aprovar o ato heróico, ainda fez publicamente, e
do púlpito, a entrega de todos os seus bens espirituais pelos mortos,
como se pode ver nos sessenta sermões que pregou sobre este assunto.
Naquela
época viram-se Ordens inteiras recomendarem o ato heróico. O Superior
Geral da Companhia de Jesus mandou recomendá-lo a todos os seus súditos.
O Pe. Ribadanera piedoso hagiógrafo propagou muito o ato heróico e o
Pe. Nierenberg. O Pe. de Montroy, no leito de morte, não só deu às almas
o mérito de todas as obras satisfatórias feitas em vida, mas a sua
caridade se estendeu além. Fez um testamento sublime, diz o Pe. Faber
“que não sei de outro igual”: cedeu sem exceção para as almas do
purgatório todos os méritos, orações, Missas, indulgências que a
Companhia de Jesus costuma aplicar aos seus membros defuntos, todos os
sufrágios que seus amigos pudessem oferecer por ele e tudo enfim, pelas
almas.
Há muitos exemplos admiráveis de atos heróicos pelo purgatório.
Finalmente,
nos últimos tempos Nosso Senhor suscitou uma grande alma devotíssima do
purgatório e fundadora de uma Congregação religiosa especialmente
destinada a sufragar as santas almas e entregue toda a serviço do
purgatório num ato heróico de caridade. Foi a Madre Maria da
Providência. Desde pequenina, esta serva de Deus sentia grande
compaixão pelas almas sofredoras. Um dia a encontraram muito pensativa
e grave em meio dos brinquedos da criançada. — Que esta pensando? —
Sabem no que penso? Disse Eugênia (tal era o seu nome no século), eu
penso numa prisão de fogo de onde não se pode sair e da qual com uma
palavra se podem tirar os prisioneiros.
As
companheiras a olharam surpreendidas. “Esta prisão de fogo é o
purgatório e com uma palavra, com a oração, podemos libertar as almas”.
Mais
tarde foi a fundadora de uma Congregação, única na Igreja, cujos
membros se oferecem a Deus pelas almas e vivem o voto heróico.
Eis como se desenvolveu, nos últimos tempos, a bela prática do ato heróico.
Vantagens do ato heróico
Um
ato tão generoso e que nos despoja de tantas riquezas e nos deixa até
sem sufrágios depois da morte, poderá ter vantagens, lucra muito,
porventura, quem o fez? Sim, mil vezes sim! É um engano pensar que se
perde muito com o ato heróico. Ao invés, lucra-se mil vezes mais. Deus
se deixa vencer em generosidade? Não há gratidão nas almas salvas por
tão grande socorro?
O
ato heróico é um ato cheio de mérito, é um ato perfeito que nos faz
esquecer de nós mesmos para cuidar de nossos irmãos e da glória de Deus.
Quem faz o ato heróico aumenta por este ato seu grau de graça neste
mundo e o grau de gloria no outro. E o ato de caridade que pratica, não
há de atrair a misericórdia daquele Senhor que prometeu cem por um e o
reino do céu ao menor bem que se faz neste mundo por amor de Deus? “A
caridade cobre a multidão dos pecados”, diz a Escritura, e este gesto de
caridade heroica não há de obter perdão e descontar muitos pecados de
quem o faz? E a indulgência plenária que se ganha com o ato heróico? E a
indulgência plenária da hora da morte que nos pertence e não podemos
aplicá-la para ninguém? E Nosso Senhor se deixará vencer em
generosidade? Não tenha receio de sair prejudicado quem faz o ato
heróico em favor das almas do purgatório. Este heroísmo de caridade será
recompensado com superabundância de graças neste mundo e de glória no
outro. Não nos preocupemos porque não podemos dispor de nossos tesouros
em favor de nossos mortos queridos como bem entendemos. Nosso Senhor
cuidará deles muito mais, e nossa caridade lhes há de ser um refrigério
tão grande no purgatório e talvez concorra para libertá-los do
purgatório muito mais depressa do que se estivessem dependendo de
nossos pobres sufrágios muita vez até esquecidos.
E para terminar, vejamos as condições e as indulgências do ato heróico:
Para
fazer o ato heróico é mister consultar o diretor espiritual ou um
prudente confessor, procurar conhecer bem o que vai fazer e saber a
responsabilidade que assume. Não se deve fazê-lo levianamente e num
momento de fervor irrefletido. É muito sério e é preciso lembrar que é
heróico! Não é prescrita nenhuma fórmula especial. Poder-se-ia usar uma
como esta: “Para vossa glória, ó meu Deus, e para imitar o melhor
possível o Coração generoso de Jesus, meu Redentor, a fim de mostrar
também minha dedicação para com a Santíssima Virgem Maria, minha Mãe e
Mãe das almas do purgatório, entrego em suas mãos todas as minhas obras
satisfatórias assim como o fruto de todas as que, porventura, se
venham a fazer por minha intenção depois de minha morte, a fim de que
Ela faça a aplicação às almas do purgatório segundo a sua sabedoria e
como melhor lhe aprouver”. Quem faz o ato heróico pode lucrar as
seguintes indulgências, aplicáveis aos defuntos: uma indulgência
plenária cada vez que se aproxima da Comunhão nas condições do costume;
visita à igreja e oração pelo Papa. Outra indulgência plenária cada
segunda-feira, ao ouvir Missa pelos mortos. Os sacerdotes que fizerem o
ato heróico gozam do altar privilegiado pessoal em todos os dias do ano
(P. P. O. 547.).
Exemplo
Um voto heróico
Uma
donzela chamada Gertrudes, acostumara-se desde os mais tenros anos, a
oferecer por intenção das almas do purgatório todas as suas boas obras.
Era tão bem aceita esta devota prática no purgatório e no céu, que
muitas vezes, o Salvador se comprazia em designar-lhe as almas mais
necessitadas. Estas, libertadas pela sua piedosa caridade, se lhe
mostravam gloriosas, para lhe agradecerem e prometiam-lhe não esquecê-la
no paraíso. Passava a vida neste santo exercício e, cheia de
confiança, via em paz aproximar-se a morte, quando o infernal inimigo,
que de tudo sabe fazer ocasião para tentar os homens, começou a
representar-lhe que ela se havia despojado de tudo e de todo mérito
satisfatório de cada boa obra e ia cair no purgatório para nele expiar
em longas penas todas as suas culpas.
Este
tormento de espírito a lançara em tal desolação, que seu Esposo
celeste dignou-se de vir consolá-la. “Por que, disse ele, ó Gertrudes,
estás tão triste e pensativa? Tu que outrora gozavas da mais perfeita
serenidade?”. Ah! Senhor, respondeu ela, em que deplorável situação me
encontro! Vede, a morte se aproxima, achando-me eu privada da satisfação
das minhas boas obras, que apliquei pelos defuntos; com que poderei
pagar a dívida que contraí para com a divina Justiça? Replicou-lhe com
ternura o Senhor: “Não temas, ó querida minha, porque ao contrário,
aumentastes pela tua caridade a soma de teus merecimentos, e não só tens
bastantes para expiares as tuas leves culpas, mas adquiristes altíssimo
grau de glória na bem-aventurança eterna. É assim que minha clemência
reconhecerá com uma generosa recompensa, que cedo virás receber no
paraíso a tua dedicação pelos defuntos”.
Desapareceu
a estas palavras, e a alma de Gertrudes foi incendiada de um novo
fervor e de um ardente desejo de socorrer as almas dos defuntos.
Enchamo-nos
também de zelo e caridade para com essas almas, que rico galardão está
prometido nos céus aos nossos esforços (Dyon, Cart. de nonviss. apud P.
Mart. de Rox de statu animarum, cap. 20.).
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