Então há no purgatório alegrias e consolações? É possível que em meio de tanta dor, de tão horríveis suplícios como os da pena do dano e do fogo, haja ainda um raio de luz, uma alegria, uma consolação para as pobres almas?
Sim, porque o purgatório é a pátria da justiça rigorosa, mas o é também da infinita misericórdia de Deus. Já não é uma grande misericórdia Deus nos reservar um lugar de expiação além-túmulo? Purificar-nos misericordiosamente para nos tornarmos dignos de sua eterna Presença? Ó, sim, o purgatório é uma misericórdia de Nosso Senhor. E como todas as obras da divina misericórdia, há de ter a unção e a doçura da Eterna Bondade. Quanto nos apavora a Justiça divina naquelas chamas expiadoras e que terror para nossa alma saber o que nos espera depois desta vida! Todavia, console-nos a idéia de que há no purgatório consolações que excedem a todas que possamos ter nesta vida. É um tormento e uma felicidade sem par. Um mistério que nos será desvendado mais tarde. Alguns autores insistem muito no sofrimento do purgatório e nada falam das alegrias e consolações. É mister guardar um justo equilíbrio.
Nem transformar o purgatório num verdadeiro inferno, nem fazer dele o paraíso. É um lugar de expiação e de tormentos horríveis, não há dúvida, mas há nele a doce esperança da salvação, esperança acompanhada da certeza absoluta de um dia chegar à posse de Deus na Bem-aventurança. E isto não é uma felicidade sem par? Quando São Francisco de Assis soube que era um predestinado e viu garantida por revelação do céu a sua glória, teve uma alegria tão grande, que nenhuma linguagem humana o poderia traduzir. Que não será a alegria das pobres almas na certeza de serem predestinadas?
São Francisco de Sales, cuja doutrina é um bálsamo suavizante das almas, fala das alegrias e consolações do purgatório. Escreve o melífluo Doutor: “A maioria dos que temem o purgatório é muito mais por interesse e amor de si mesmos do que pelo interesse de Deus. E daí vem que falam ordinariamente só das penas daquele lugar e nunca falam da felicidade e da paz que desfrutam as almas que lá estão. É verdade que os tormentos são extremos, e as maiores e mais terríveis dores desta vida não se podem comparar a eles, mas também as satisfações interiores são tais e tantas, que nenhuma prosperidade nem alegria da terra existe que a elas se possam igualar. Si é uma espécie de inferno quanto à dor, é um paraíso quanto à doçura que a caridade difunde no coração. Caridade mais forte do que a morte e mais poderosa do que o inferno. Feliz estado mais desejável que temível, pois suas chamas são chamas de amor e de caridade. Terríveis penas, sim, pois elas retardam a hora da visão de Deus, e de amar a Deus e louvá-lo e glorificá-lo por toda eternidade”[1].
Eis aí o tormento e a alegria das almas do purgatório.
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