quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O sonho de São João Bosco - Purgatório

Ontem a noite, meus queridos filhos, me havia deitado e não podendo dormir, pensava na natureza e no modo de existir da alma; como estava feita; como se podia encontrar e falar em outra vida separado do corpo; como se transladaria de um lugar para outro; como nós podemos conhecer então uns aos outros sendo assim que, depois da morte, seremos somente espírito puros. E quanto mais refletia sobre isto, tanto mais misterioso me parecia ficar. Enquanto andava devagar sobre essas e outras fantasias, dormi e me pareceu estar em um caminho que conduz a uma certa cidade ......... e que a ela me dirigia. Caminhei durante um certo tempo; passei por povoados, por meus desconhecidos, quando de repente ouvi que me chamavam, por meu nome. Era a voz de uma pessoa que estava parado no caminho.
 - Vem comigo - me disse 
- agora poderás ver o que desejas. 
Obedeci imediatamente. Aquela pessoa se locomovia com a rapidez do pensamento e eu também. Caminhávamos sem tocar com os pés no chão. Ao chegar em uma região que não saberia determinar meu guia parou. Sobre um lugar iminente se elevava um magnífico palácio de admirável estatura. Não saberia dizer onde estava, nem a que altura; não recordo se sobre uma montanha ou no ar, sobre as nuvens, era inacessível e não se via o caminho algum para subir. Suas portas estavam a uma altura considerável. 
- Olha! Sobe a esse palácio! - me dizia o guia. 
- Como posso? Exclamei - Como ir? Aqui embaixo não há entradas e eu não tenho asas.
 - Entrar! - me disse um outro em tom imperativo. E, vendo que eu não me movia, me orientou: 
- Faz como eu; levante os braços com boa vontade e subirás. Vem comigo. 
E, dizendo isto, levantou vem alto as mãos ao céu. Eu abri então os braços e em um instante me senti elevado aos ares por aquela ligeira nuvem. E eis-me aqui na entrada do grande palácio. O guia me havia acompanhado.
 - O que há dentro? Lhe perguntei
. - Entra; visite-o e verás. Em uma sala, ao fundo encontrarás quem te guiará.
O guia desapareceu e eu havendo-me só e guia de mim mesmo, entre no pórtico, subi as escadas e me encontrei em um departamento verdadeiramente régio. Recorri salas espaçosas, um lugar riquíssimo decorada e grandes corredores. Eu caminhava a uma velocidade fora do normal. Cada sala brilhava ao conjunto dos surpreendentes tesouros neles acumulados e com grande rapidez recorri tantos lugares que não me era possível conta-los. Porém, o mais admirável foi o seguinte. Apesar de que corria à velocidade do neutro, não movia os pés, senão que permanecendo suspenso no ar, e com as pernas juntas, deslizava sem cansaço sobre o pavimento sem tocá-lo como se tratasse de uma superfície de cristal. Assim, passando de uma sala para outra, vi finalmente, ao fundo de uma galeria, uma porta. 
Entrei e me encontrei em um grande salão; magnífico, sobre toda ponderação. Ao fundo do mesmo, dobre uma cadeira, vi majestosamente sentado um bispo, como quem esperava para dar uma audiência. Aproximei-me com respeito e fiquei maravilhado ao reconhecer naquele prelado um amigo íntimo, era Monsenhor (..............) bispo de (.............) morto a dois anos. Parecia não sofrer nada. Seu aspecto era sereno, afetuoso e de uma beleza que anão se pode expressar.
 - Oh, monsenhor! Vós aqui? - lhe disse com alegria. 
- Não me vens? Replicou o bispo. - Como? Não pode! Estás vivo? Não havia morrido? 
- Sim! Morri! 
- Pois se morrestes, como estás aqui sentado tão alegre e com uma boa aparência? Se estás vivo diz-me por favor, ou do contrário nos veremos em um grande emaranhado. Em A... havia já o bispo monsenhor ......... como trataremos deste assunto? 
- Fique tranqüilo, não se preocupe, que eu estou morto... 
- Mesmo assim, pois já tem outro em vosso lugar. 
- Eu sei.... E vós Dom Bosco, estás vivo ou morto?
 - Eu estou vivo. Não me vês em corpo e alma? 
- Aqui não se pode ver com o corpo. 
- Pois eu estou. 
- Isso é o que lhe parece. Mas não é bem assim. E ao chegar a este ponto da conversa comecei a falar muito depressa, fazendo uma pergunta atrás da outra, sem obter resposta alguma. 
Como é possível - dizia - que estando eu vivo posso estar aqui com vós que estás morto? E tinha medo que o prelado desaparecesse; por isso comecei a dizer-lhe em tom suplicante: 
- Monsenhor, por caridade não vá. Necessito saber tantas coisas! O bispo ao ver-me tão preocupado: 
- Não vos inquieteis desse modo, disse; fiquei tranqüilo, não duvides; não irei. Fale. 
- Diga-me, monsenhor, vós haveis se salvado? 
- Olhe - contestou - observe bem, como estou cheio de vida, como me encontro resplandecente. Seu aspecto verdadeiramente me dava certa esperança de que havia se salvado. Porém não contentando-me com isso, acrescentei:
 - Diga-me, haveis salvado ou não?
 - Sim, estou em um lugar de salvação.
 - Mas estás no Paraíso ou no Purgatório? 
- Olha aqui! - E me mostrou um papel acrescentando: 
- Leia. - Tomei o papel na mão, o examinei atentamente, porém, não vendo nele nada escrito, lhe disse: 
- Eu não vejo nada. 
- Olhe-o, o que está escrito; leia. 
- Eu já olhei e estou olhando, mas não posso ler, porque não há nada escrito.
 - Olha melhor. - Vejo um papel com desenhos, em formas de flores celestes, verdes, violetas, porém, não vejo nenhuma letra.
 - São cifras! 
- Eu não vejo nem cifras nem números. Olhou o prelado o papel que eu tinha na mão e disse depois: 
- Eu sei porque não compreenderás; coloca o papel ao contrário. Examinei a folha com maior atenção, revirei por todos os lados, porém de nenhum lado pude ler. Somente me pareceu que entre as voltas e revoltas daquele desenho florido havia o número dois (2). O bispo continuou: 
- Sabe por que é necessário ler ao contrário, do outro lado? 
- Porque o juízo de Deus é deferente do juízo do mundo. o que os homens tomaram por sabedoria é necessidade para Deus. Não me atrevi lhe pedir uma explicação mais clara e disse: 
 - Monsenhor, não se vá; quero perguntar mais coisas.
 - Pergunte-me que eu respondo. 
- Me salvarei? - Não me façais sofrer diga-me se me salvarei. 
- Não sei. 
- Ao menos diga-me se estou na graça de Deus. 
- Não sei. 
- E meus rapazes, se salvarão? - Por favor, vos suplico que me digas. 
- Haveis estudado Teologia e portanto podeis saber e dar a resposta vós mesmo. 
- Como? Estás em lugar de salvação e não sabes essas coisas?
 - Olhe bem, o Senhor faz saber a quem ele quer e quando quer, que se dê a conhecer estas coisas, concede a permissão e dá a ordem. De outra maneira nada pode comunicar aos que ainda vivem. Eu me sentia impulsionado por um desejo de perguntar mais e mais coisas diante do medo que o Monsenhor fosse embora. 
- Agora diga-me algo de vossa parte para eu falar aos meus rapazes. 
- Vós sabeis tão bem quanto eu o que deves fazer. Tens a Igreja, o Evangelho, as demais escrituras que contêm tudo. Preocupem com o bem da alma, pois nada mais os interessa.
 - Porém isso já sabemos, que devemos salvar a alma. O que precisamos é conhecer os meios para consegui-lo. Dê-me um conselho que nos faça recordar essa necessidade. Eu repetirei aos meus rapazes em nosso nome.
 - Dizei-lhes que sejam bons e obedientes. 
- E quem não sabe essas coisas? 
- Dizei-lhes que sejam modestos e que e que rezem.
 - Porém diga-me algo mais prático. 
- Dizei-lhes que se confessem freqüentemente e que faças boa Comunhão. 
- Algo mais concreto ainda. - Eu os direi por que quereis. 
- Diga-lhes que têm diante de si uma nuvem, simplesmente distingui-la já é uma boa coisa. Que se enfrente esse obstáculo que está diante dos olhos, como se lêem os salmos: nuvem dissipa. 
- E o que é essa nuvem?
 - Todas as coisas do mundo, as quais impedem ver a realidade das coisas celestiais. 
- E o que devem fazer para que desapareça essa nuvem? 
- Considerar o mundo tal qual é: Mundus totus in maligno postus est ( no mundo inteiro se encontra o maligno. E então salvarão suas almas; que não se deixem enganar pelos fatos mundanos. Os jovens crêem que os prazeres, as alegrias, as amizades do mundo podem fazê-los felizes e, por isso não esperam mais que o momento de poder gozar delas; porém, que eles recordem que tudo é vaidade e aflição do espírito. Que se acostumem ver os coisas do mundo, não segundo sua aparência, senão como são na realidade. 
 - E de onde provem principalmente essas nuvens? 
- Assim como a virtude que mais brilha no Paraíso é a pureza, também a obscuridade e a nuvem são produzidas principalmente pelo pecado, imodéstia e pela impureza. (...). Dizei-lhes pois, que conservem fervorosamente a virtude da pureza, pois os que a possuem, floresbunt secut lilium in civitate Dei (florescerão como o lírio na cidade de Deus). 
- O que se precisa para conservar a pureza? Dize-me que eu comunicarei aos meus jovens de vossa parte.
 - É necessário: o retiro, a obediência, a fuga do ócio e a oração. 
- E depois? 
- Oração, fuga do ócio, obediência e retiro. 
- E nada mais? 
- Obediência, retiro, oração e fuga do ócio. Recomendo estes meios que são suficientes. 
Eu desejava lhe perguntar muitas outras coisas, mas não me recordava de nada. De forma que, apenas o prelado tinha terminado de falar, nasceu em mim o desejo de repetir aqueles mesmos conselhos, abandonei rapidamente a sala e corri ao Oratório. Me deslocava com a rapidez do vento e, em um instante me encontrei as portas de nossa casa. Parei um instante e comecei a pensar. 
- Por que não tive mais tempo com o bispo de ....? Havia me proporcionado mais esclarecimentos! Fiz mau deixando-me perder tão boa ocasião. Poderia Ter aprendido tantas cisas boas! E imediatamente voltei com a mesma rapidez que havia no mundo, com medo de não encontrar mais o Monsenhor. Penetrei novamente naquele palácio e no mesmo salão. Todavia que mudança havia acontecido em tão pouco tempo! O bispo palidíssimo como a cera, estava estendido sobre o leito; parecia um cadáver, nos lhos as últimas lágrimas, estava agonizando. Somente um ligeiro movimento do peito, agitado pelas últimos suspiros, se compreendia que ainda tinha vida. Eu me aproximei dele rapidamente: 
- Monsenhor, o que aconteceu? 
- Deixai-me - disse-me dando o último suspiro. 
- Monsenhor, teria muitas coisas ainda a perguntar-lhe.
 - Deixai-me só sofro muito.
 - Em que posso ajudá-lo. 
- Rezai e deixai-me ir. 
- Aonde? 
- Aonde a mão Onipotente de Deus me conduzir. 
- Mas eu lhe suplico, dizei-me aonde.
 - Sofro muito; deixai-me. 
- Diga-me ao menos, que posso fazer em vosso favor - repetia eu. 
- Rezai. 
 - Uma palavra nada mais: tens alguma coisa para fazer ao mundo? Não tens nada para dizer ao vosso sucessor? 
- Ide ao atual bispo de .............. e diga de minha parte isto e isto. As coisas que me disse não interessam a vocês meus queridos jovens, portanto as omitiremos. O prossegui dizendo: 
- Dizei também a tal e tal pessoa, estas e estas coisas em segredo. Dom Bosco não falou estas coisas: porém tanto estes como os primeiros parece que se referiam a avisos s soluções para certas necessidades daquela diocese. 
- Nada mais? Continuei. 
- Dizei aos vossos rapazes que sempre os quis muito enquanto vivi, sempre rezei por eles e que também afora me recordo deles. Que roguem agora por mim. 
- Tenha segurança do que lhes falei e que começaremos imediatamente a aplicar o sufrágio dos mortos.
 - Deixai-me - voltou a dizer - deixai-me que eu me vá aonde o Senhor me chama. 
- Monsenhor!... Monsenhor!... repetia eu cheio de compaixão. 
- Deixai-me!... Deixai-me!... 
Parecia que ia esperar enquanto uma força invisível o levantou dali à abstração mais interior enquanto desaparecia do minha vista. Diante de uma cena tão dolorosa estava assustado e muito comovido, virei para retirar-me, porém havendo tropeçado com os joelhos em algum objeto, me despertei e me encontrei em meu quarto na minha cama. 

Como vedes, queridos jovens, este, é um sonho como os demais, e relacionado com vós, não necessita explicação, para que entendam. 

Dom Bosco terminou dizendo: "Neste sonho aprendi muitas coisas relacionadas com a alma e com o purgatório, que antes não tinha chegado a entender e que agora as vi com tanta clareza que não duvidarei jamais". 

Observação: Teria tido este sonho, dia 24 de junho, contado em 25 de junho de 1887. Lemoyne lembrava que ao recopiar o sonho lhe havia passado ema circunstância que ele se recordou: Dom Bosco perguntou ao prelado tempo lhe restava de vida; o bispo lhe acrescentou um papel com alguns traços escritos entrelaçados, segundo parecia, com oito, porém não teve nem uma explicação do mistério... indicava o ano de 1888?  

Nenhum comentário:

Postar um comentário