Causa I
Gravidade daquelas
penas
Coisa assentada
é que cada alma padece uma pena gravíssima, e como diz Santo Agostinho, São Gregório,
Santo Anselmo e Cesáreo, seu tormento é maior que o que padeceu São Lourenço
nas grelhas, São Vicente na Catasta, e os Mártires em suas laminas de bronze e
fogueiras acendidas, e o Angélico Doutor, S. Thomas, 3 parte quest. 46 diz que
não somente os tormentos das Almas excedem dos Mártires, senão à que chega a
ser mais dolorosos que padeceu Cristo Nosso Senhor em sua acerbíssima paixão, e
Ludovico Blosio, varão Santo e piedoso, refere haver lido em Pedro Claniocense
que certo religioso foi arrebatado em espirito e levado ao lugar do purgatório,
e havendo visto os extraordinários tormentos com que são afligidas as Almas,
voltando a este mundo, disse aos presentes: “Ouvi-me Senhores esta verdade que
confesso, e ponho a Deus por testemunha, se tivesse alguém nesta vida que me
fizesse os maiores agravos, me enchesse de afrontas, e ainda me tirasse a vida,
se visse mergulhado nos tormentos que eu vi, eu receberia mil vezes a morte
para livrar-me daquelas penas, de sorte que as que a mim se me mostraram
excedem sobre todo pensamento, a todas as dores e angustias que padecem os
mortais nesta vida.” Acrescento uma dolorosa exageração dos tormentos que
padecem as almas que por ser do Glorioso Santo Agostinho não tenho receio em
escreve-la, diz o Santo Doutor: “ Três vezes orou cristo no Horto, a primeira
fez pelos que estão em pecado mortal, a segunda pela perseverança dos justos em
graça e em sua amizade, e a terceira foi pelas almas do purgatório, e que na
primeira e na segunda vez não suou sangue, mas na terceira sim, que tais devem ser
suas penas que a tão grandes afetos obrigaram a sua humanidade sacratíssima, tu
que lês estas atrocidades podes maravilhar-se da negligência dos mortais em
socorrer as almas, que podem a tão pouca custa alivia-las, repreendendo os
descuidos dos vivos que puderam aplicar socorros aos mortos.
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